quinta-feira, 9 de março de 2017

Gravar as Marcas

Autor: Veronica Roth
Título Original: Carve the Mark
Edição: Harper Collins
ISBN: 9788491391111


Numa galáxia dominada pela corrente, todos têm um dom.
Cyra é a irmã do tirano cruel que governa o povo de Shotet. O dom-corrente de Cyra confere-lhe dor e poder, que o irmão explora, usando-a para torturar os seus inimigos. Mas Cyra é muito mais do que uma arma nas mãos do irmão; é resistente, veloz e mais inteligente do que ele pensa.
Akos é filho de um agricultor e do oráculo de Thuvhe, a nação-planeta mais gelada. Protegido por um dom-corrente invulgar, Akos possui um espírito generoso e a lealdade que dedica à família é infinita. Após a captura de Akos e do irmão, por soldados Shotet inimigos, Akos tenta desesperadamente libertar o irmão, com vida, custe o que custar.
Então, Akos é empurrado para o mundo de Cyra, onde a inimizade entre ambas as nações e famílias aparenta ser incontornável. Ajudar-se-ão mutuamente a sobreviver ou optarão por se destruir um ao outro?



Conhecemos Veronica Roth com a trilogia "Divergente" que além de ter sido um enorme sucesso ao nível da leitura e venda de livros, se tornou um verdadeiro sucesso de bilheteiras aquando da sua adaptação ao grande ecrã. Mas desengane-se quem pensa que com este livro vai ter algum tipo de aproximação ou regresso ao mundo de "Divergente" pois este volume está longe de ser semelhante àquela trilogia. Na verdade e tendo apenas este primeiro volume como referência (a coisa pode mudar com os volumes seguintes), "Gravar as Marcas" está longe de me conquistar como a anterior obra da autora
A acção tem lugar num worldbuilding algo especial, um planeta distante povoado por duas civilizações inimigas, os Thuvhe e os Shotet, (com um ódio mútuo a condizer com a inimizade que os marca) e cujos habitantes são marcados por um dom que se revela geralmente no inicio da puberdade. Os dons (que como em tudo na vida podem ser encarados como fardos pelos portadores) são "concedidos" pela Corrente, literalmente uma corrente de energia cósmica que percorre a galáxia e é adorada quase como uma divindade. No início do livro os nossos personagens principais são apenas crianças e são-nos apresentados junto as respectivas famílias o que contribui de alguma forma para uma melhor compreensão das suas personalidades e acções tendo em conta que o ambiente que nos rodeia nos influencia sempre muito mais do que estamos prontos a admitir. Akos é um jovem oriundo de uma das mais importantes famílias Thuvhe. Vive com os pais e os irmãos num local calmo e onde impera a ordem e o amor. Cyra, por sua vez, é a filha mais nova da família regente Shotet e ainda que muito amada pela mãe, a sua vida é marcada pela violência e sadismo que reina no palácio. A vida corre com normalidade até ao dia em que, sem que haja obrigatoriamente uma relação de causa-efeito entre todos os acontecimentos, Cyra descobre o seu dom - a dor - Shotet ataca Thuvhe e rapta Akos e o irmão mais velho e o dom de Akos - bloqueio da Corrente -se revela. A partir daqui vão nascer inimizades, juras de vingança, actos de revolta e também estranhas amizades (desculpem mas não posso adiantar muito mais sem cair em spoilers, a sinopse já faz danos suficientes). 

Ainda no que diz respeito aos personagens, devo dizer que quem causou verdadeiro impacto foram os maus da fita e não os personagens principais. Não é que não goste da Cyra e do Akos mas a verdade é que os achei demasiado planos.  A acção decorre durante um longo período de tempo contudo a evolução esperada não se verifica. Akos continua lutador mas muito naif e Cyra resignada apesar de ser psicologicamente muito forte... Não há uma real evolução nas personalidades e esse facto deixou-me algo desinteressada. Já os mauzões... conseguiram por-me os nervos em franja em determinadas alturas. :) Há depois um conjunto de personagens secundários que, a meu ver, estão algo melhor construídos que os personagens principais. Ou seja, pendem mais para o bem ou mal mas são mais humanos na medida em que não são uns bonzinhos inocentes ou uns vilões inveterados - são como nós e consequentemente, menos previsíveis. Enfim, espero sinceramente que as personalidades de Akos e Cyra evoluam num próximo volume porque são eles o elo mais fraco, os personagens de quem mais se espera e que mais desiludem.

Mais uma vez, a ideia é boa, há aspectos muito interessantes neste worldbuilding e na caracterização das várias civilizações que habitam nesta galáxia o problema é o modo confuso como a informação nos chega. Confesso que demorei um bocado a entrar neste novo mundo e que o facto da maior fatia da narrativa ser composta por diálogos não ajudou muito, quando a autora se dedica à descrição o resultado é muito melhor (adorei a cena do festival azul, por exemplo, ou o "povo da água" e o seu planeta) do que quando a informação nos chega por diálogo. 

Devo dizer que não encontrei as referências racistas e anti-islâmicas que deixaram revoltados tantos leitores por esse mundo fora (nomeadamente nos EUA).  É verdade que os Shotet fazem anualmente uma peregrinação pela galáxia que pode ser comparada com a romagem dos muçulmanos a Meca mas... Não rumam os católicos a Lourdes ou até Fátima pelo 13 de Maio tal como o fazem tantos outras culturas em relação a outros locais de culto? Também os Shotet usam o termo clérigo. Pois, exacto, nós também!! A cor da pele deles é algo mais escura que a dos Thuvhe o que também é normal dado o facto de os Thuvhe viverem numa região mais fria e com menos sol. Que eu saiba os portugueses também costumam ser mais morenos que os islandeses, por exemplo. A sociedade Shotet tem costumes que podem ser considerados mais bárbaros, como aquele que dá o nome ao livro - gravar na pele as marcas das mortes infligidas. Ora, este elemento não me parece racista. Nas sociedades mais bélicas sempre houve a tradição de, de algum modo, assinalar as conquistas e isto acontece tanto em África como acontecia na sociedade Viking. Enfim, neste caso concreto, parece-me que o preconceito está mais nos olhos de quem lê do que na mão de quem escreveu mas nada melhor que lerem vocês mesmos para tirarem as vossas próprias conclusões. 

Resumindo e concluindo, é um livro que se lê muito bem e o worldbuilding é bastante interessante depois de começarmos, de facto, a compreende-lo. O ponto fraco são os personagens.

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