segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Os Doze

Título: Os Doze
Série/Saga: Passagem (Passagem, #2)
Autor: Justin Cronin
Tradução: Miguel Romeira
Edição: Presença
ISBN: 9789722350037
Nº de páginas: 728


Os Doze é a sequela de A Passagem, um bestseller internacional que nos dá a conhecer um mundo transformado num pesadelo infernal por uma experiência governamental que não correu como previsto. No presente, à medida que o apocalipse provocado pela mão humana se vai intensificando, três personagens tentam sobreviver no meio do caos. Lila, uma médica e futura mãe; Kittridge, que se viu obrigado a fugir do seu baluarte com poucos recursos; e April, uma adolescente que se esforça por manter em segurança o irmão mais novo num cenário de morte e destruição. Mas, embora ainda não o saibam, nenhum dos três foi completamente abandonado...

A uma distância de 100 anos do futuro, Amy e os outros sobreviventes continuam a lutar pela salvação da humanidade... sem se aperceberem de que as regras foram alteradas. O inimigo evoluiu, e surgiu uma nova ordem negra com uma perspetiva do futuro infinitamente mais terrífica do que a da própria extinção humana.

Não se está a revelar uma tarefa nada fácil falar deste livro. Por um lado não quero entrar em spoilers, por outro é um livro longo e, como se tal não bastasse, é um livro com uma estranha densidade. Tinha uma enorme vontade de ler esta sequela de A Passagem desde que li o primeiro volume da trilogia (podem ler opiniões aqui e aqui); queria muito saber se o autor conseguia manter o nível e como ia continuar a desenvolver um mundo que em tantas coisas é tão semelhante ao mundo dos nossos dias sendo, simultaneamente, aterradoramente diferente. Não fiquei desiludida. 

A narrativa tem lugar em 3 fases, um pouco à semelhança daquilo que já havia acontecido no volume anterior, com loops e saltos temporais que primeiro nos confundem mas depois se revelam mais do que justificados. 
A acção central tem lugar 5 anos após os acontecimentos narrados no volume anterior mas numa fase inicial somos de novo transportados ao Ano Zero e a 79 D.V. No Ano Zero deparamo-nos com um novo leque de personagens e, devo confessar, que de inicio não percebi muito bem porque nos eram apresentadas. Mas com Cronin tudo tem uma razão de ser e, se não o perceberem antes, quando estes capítulos chegarem ao final vão compreender perfeitamente quem são. Através deles somos capazes de compreender como é que a humanidade lidou com o vírus quando se deu a catástrofe. Já tínhamos tido umas luzes sobre a temática mas principalmente pelos olhos de Amy, Wolgast e do pessoal do Chalé. Desta vez vemos os acontecimentos pelos olhos de pessoas normais que nada sabiam do que se passava. Todas estas personagens são, à sua maneira, fortes mas cheias de fraquezas e defeitos, são muito humanas e torna-se fácil para o leitor conseguir identificar-se com a maioria delas e sofrer pelo destino que lhes sabemos reservado. É uma fase narrativa que serve principalmente para mostrar a humanidade como um todo cheio de vontade de viver que luta até a o fim contra as adversidades e para dar a conhecer ao leitor um pouco mais das raízes de alguns personagens, das colónias e até do disseminar do vírus.

No ano 79 D.V. conhecemos uma nova colónia. Não uma pequena colónia como aquela onde viviam os protagonistas principais desta trilogia, mas uma verdadeira cidade que conseguiu subsistir e combater os perigos que o pôr do sol trás. Ainda assim, as equipas de segurança não são invenciveis e, por vezes, o pior acontece. O pequeno episódio narrado parece, mais uma vez, algo descontextualizado contudo, à posteriori, as peças encaixam na perfeição. É esta uma das capacidades que mais admiro no autor. É um especialista em explicar-nos de forma não linear que nenhum dos personagens está num determinado local por acaso, assim como também não há coincidências no desenrolar de acontecimentos e nos encontros entre todos os personagens. Tudo é justificado, nada acontece por acaso mas o leitor tem que tirar as suas próprias ilações, encontrar o fio condutor e compreender o todo. Estes capítulos também têm como finalidade mostrar ao leitor como um único momento pode definir aquilo em que uma pessoa se torna, moldá-la e determinar a forma como se vai comportar pela vida fora (as escolhas feitas nem sempre são tão aleatórias como podem parecer).

Já no ano de 97 D.V, o período em que a narrativa central se desenrola, as coisas não correm como o desejado aos protagonistas e a caçada pelos Doze está ameaçada. Em vez de vos fazer aqui um resumo da coisa vou apenas tentar expor aqueles factos que achei mais determinantes para o que pode vir a seguir e os aspectos que achei melhor conseguidos como, por exemplo, a existência de uma sociedade fascista com ambições imperiais. Se pensávamos que havia coisas más que se haviam perdido com a quase extinção da humanidade... estávamos enganados. O ser humano, por vezes parece quase naturalmente mau, tem dentro luz e sombras que o tornam aquilo que é e quando humanos ambiciosos se tornam algo mais e possuem poder acima dos demais as coisas, normalmente, não acabam bem. Numa sociedade ameaçada e que tenta reerguer-se das cinzas um poder superior que se impõe e usa a defesa  do "bem estar dos mais fracos" como forma de se afirmar, tendo à cabeça uma louca e um egoísta narcisista, é capaz de só poder acabar mesmo em injustiça, abuso e sofrimento. Há um sublimar da maldade e um enorme desprezo por tudo o que é diferente e mais fraco nesta nova sociedade que espelha bem demais a nossa própria sociedade, o nosso comportamento quotidiano e o modo individualista como actuamos face aquilo que nos rodeia. E aqui a nova visão que temos dos virais é um dos aspectos mais estranhos. Alguns conseguem pensar, organizar-se e tornar-se algo mais que máquinas de matar enquanto que outros não passam de restos daquilo que um dia foram. Será do sangue que os transformou? Poderá haver algo mais que venha a justificar estas tão marcadas diferenças no seio de uma espécie nova e da qual pouco sabemos? Os comportamentos dos mesmos em relação uns aos outros e à raça humana também são intrigantes, chegando mesmo a ser inquietantes (este aspecto ainda não ficou muito bem explicado mas suponho que no próximo livro as coisas se tornem mais claras). Há um sublimar da maldade e um enorme desprezo por tudo o que é diferente e mais fraco nesta nova sociedade que espelha bem demais a nossa própria sociedade, o nosso comportamento quotidiano e o modo individualista como actuamos face aquilo que nos rodeia.

Um dos aspectos mais curiosos deste volume é a mística religiosa ligada aos personagens. O leitor já tinha compreendido que Amy era uma espécie de profeta que quase podia ser equiparada a um Jesus Cristo que veio à terra única e exclusivamente para salvar a humanidade. Agora vemos uma Amy ainda mais visionária e que cresce, ganha novos contornos (literalmente e em muitos sentidos...). Contudo as ligações à Biblia e à religião católica não se esgotam nesta personagem. O prólogo possui um tom marcadamente biblico-religioso e há até uma ordem de freiras na cidade que tomam conta dos orfãos e seguem os preceitos da pobreza e do amor ao próximo. Por sua vez o Zero e os Doze podem ser vistos como a antítese, não só de Amy, mas também de Cristo e dos apóstolos. Na sua essência funcionam como um anti-cristo e os seus doze discípulos havendo até lugar a um Judas na figura de Carter - aquele que trai os demais indo claramente contra aquilo que é a vontade dos mesmos. A ressurreição, a vida depois da morte e a existência de uma alma que perdura estão também presentes não apenas no modo como as almas dos Doze estão ligadas umas às outras, ou na maneira como as almas dos virais se unem à do seu "senhor" mas, sobretudo, na presença de Wolgast e no final que este e a sua "família" alcançam.
O autor desmonta e recria um sem número de preceitos, conceitos, mitos e crenças ligados, sobretudo, à fé católica construindo um mundo que é uma espécie de réplica não tão distorcida daquele em que vivemos. No final do livro é através de toda esta mística que o leitor pode tentar adivinhar aquilo que poderemos, ou não, ler num volume próximo.

Resumindo (e esperando não ter feito uma grande confusão; esperando ter conseguido ser o mais clara possível sem revelar demais), recheada de personagens fortes e muito humanas, com uma boa dose de acção e muito mistério é uma sequela magnifica onde as peças se encaixam e nada é deixado ao acaso. Esta está a revelar-se, sem sombra de dúvidas, a melhor trilogia distópica de sempre.
Recomendadíssimo.
9/10

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